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A preocupação com o fundamentalismo hindu, ou Hindutva, tem crescido nos últimos anos.[1]

O partido político na Índia que encarna a Hindutva é o BJP,que subiu ao poder pela primeira vez em 1996, durante apenas 13 dias, depois por cerca de 13 meses em 1998-1999, e pela terceira vez de 1999 a 2004. Em cada ocasião, o BJP liderou um governo de coligação. Nas eleições nacionais de 2014, o BJP conquistou uma maioria parlamentar absoluta.

O atual primeiro-ministro, Narendra Modi, é um entusiasta de longa data da principal organização Hindutvan, [2] o RSS que procura impor  a sua perspetiva particular de dharma (o comportamento certo, a economia certa e a ordem social certa) em toda a Índia.

Nas palavras do Dr. B. R. Ambedkar, o pai da Constituição indiana, a Hindutva é «uma ameaça à liberdade, igualdade e fraternidade . . . incompatível com a democracia»,[3] sobretudo porque os Hindutva não hesitam em usar mentira e violência para atingir os seus fins.

A ideologia política da Hindutva é uma afirmação da «identidade indiana» e «nacionalidade indiana»

Hindutva: o que é?

De acordo com os seus seguidores, a ideologia política da Hindutva é uma afirmação da «identidade indiana» e «nacionalidade indiana». A Hindutva apresenta-se como cultural, civilizacional e não-religiosa, tendo em mente o bem-estar de todos os hindus, sikhs, budistas, ayyavazhi, judeus e zoroastrianos que aceitem a Índia como «terra-pai»[4] e «terra santa».[5]

A Hindutva promove o Gita, que, historicamente, é um texto sagrado apenas para algumas seitas hindus. Embora o Gita seja aceite como inspirador por muitos hindus, particularmente desde o fim do século XIX, os textos aceites como sagrados por todos os hindus são, antes, os Vedas, diferentes e milenares.

Manuscrito Sânscrito do sec. XIX sobre o Bhagavad Gita e um script Devanagari

Os Hindutva promovem «valores hindus», o «estilo de vida hindu», uma «história comum», «linhagem comum» e uma «cultura indiana comum», bem como um «Código Civil comum»[6] e um crescimento económico que se coadune com «morais e ética nativos». Porém, o BJP e RSS recusam-se a definir estes termos. Por exemplo, não é claro se incluem:

  • o sistema de castas;
  • acordar de madrugada para um banho ritual necessário para orar a ídolos;
  • casamentos combinados;
  • o sistema tradicional de «família comum’[7] ;
  • fazer uma alimentação exclusivamente vegetariana;
  • ser «anti-ocidental» (ex., não usar calças de ganga se se for um homem, não usar calças largas ou saias se se for uma mulher);
  • falar, ler e escrever apenas em sânscrito.

É por isso que muitos indianos consideram que os Hindutva se representam apenas a si próprios, procurando ganhar poder político para beneficiar sobretudo a comunidade de empresários que os apoiam, e que são por sua vez financeiramente apoiados por eles.

A ascensão Hindutva

Apesar das evasivas e do autointeresse, a Hindutva cresceu por duas razões:

  1. A Hindutva apresenta-se como limpa e dedicada a edificar a nação, contrastando com a ganância e egoísmo das gerações de líderes políticos que se seguiram aos idealistas responsáveis por tornar a Índia independente.
  2. O RSS e o BJP encontraram apoiantes para financiar e criar um grupo disciplinado daqueles que são cortados dos imensos privilégios das castas do topo.

Consequências alarmantes

Desde a eleição de Modi em 2014, como parte da estratégia para canalizar fundos estrangeiros apenas para organizações Hindutva, foram cancelados os registos de mais de 20 000 organizações de sociedade civil não-Hindutva. Outras como a Amnistia Internacional, o Greenpeace, a Ford Foundation e a Bill and Melinda Gates Foundation foram assediadas e os seus fundos retidos.

São cada vez mais utilizadas ameaças para intimidar pessoas comuns

Além disso, são cada vez mais utilizadas ameaças para intimidar pessoas comuns, com bandos de saqueadores contratados para agredir fisicamente qualquer pessoa que discorde da Hindutva — especialmente se forem hindus. A máquina do estado gerido pelo BJP já foi até implicada na morte de polícias e juízes que aderem à Constituição e por isso recusam alinhar-se com os desejos anti-democráticos do BJP/RSS. O terrorismo hindu contra hindus não-Hindutva, muçulmanos, cristãos, dalit-bahujans e outros grupos, que aumentou gradualmente desde a década de 1980, escalou vertiginosamente agora que a violência é oficialmente apoiada.

As políticas de refugiados e cidadania da Índia também mudaram radicalmente. Por exemplo, as leis de cidadania foram alteradas para ser mais fácil suspender a cidadania de muçulmanos indianos e atribuir a cidadania a refugiados hindus do Bangladesh.

Entretanto, na região indiana de Caxemina (o único estado indiano com uma maioria religiosa muçulmana), as políticas anti-muçulmanas do BJP viraram um número crescente de caxemirenses contra o governo indiano.

Perspetiva

As próximas eleições nacionais estão agendadas para ser realizadas, o mais tardar, em maio deste ano. Apenas há alguns meses, apesar dos erros políticos de Modi, seria preciso ser-se muito corajoso ou tolo para prever outra coisa que não a consolidação da sua posição, talvez até uma maioria esmagadora que lhe permitisse alterar a Constituição (o objetivo do BJP). No entanto, tem crescido o sentimento de que o governo de Modi prometeu muito e cumpriu pouco, a não ser aos seus amigos. A rejeição sofrida pelo BJP nas cinco eleições de estado recentes poderá ser um presságio da derrota em maio.

Neste momento, há seis cenários possíveis para o futuro imediato:

  1. O RSS gera tamanho caos pré-eleitoral a nível interno que permite a Modi tomar completo poder indefinidamente ao declarar uma emergência nacional, suspendendo assim a Constituição.
  2. Modi assegura as eleições e ganha mais um mandato ou, pelo menos, mantém o número de lugares.
  3. Modi ganha com uma maioria reduzida, mas ainda suficiente para ser, na prática, o governante.
  4. Modi retorna ao poder mas apenas através de uma aliança com outros partidos.
  5. Modi é removido como líder pelo BJP e os cenários 2-4 desenrolam-se sob outro líder.
  6. O BJP perde de tal forma que é forçado a regressar para os ramos da oposição, liderado por Modi ou outra pessoa.

Contudo, o que acontece agora é menos importante do que o futuro a longo prazo.

A Hindutva não tem respostas concretas para o país.

Implicações a longo prazo

A Hindutva não tem respostas concretas para o país. Recordar um passado glorioso imaginado não vai ajudar a Índia a superar os grandes desafios que hoje enfrenta. É, portanto, inevitável que a Hindutva cause ampla desilusão.

Isso cria uma oportunidade: podemos finalmente passar de tentar alcançar os pobres e marginalizados apenas como indivíduos, para abordar, além disso, desafios nacionais[8] influenciando tanto as massas como os líderes do nosso país.

Isso significa que a missão precisa agora de ser direcionada não só para os mais pobres a nível material (como acontece atualmente) mas à grande maioria daqueles que estarão (e já começam a estar) desiludidos com a Hindutva. Isso precisa de acontecer, não só com abordagens tradicionais, mas com novas abordagens que levam a sério o desejo dos indianos de resolver os nossos problemas nacionais reais, para que possamos andar de cabeça erguida no mundo — não na base de ilusões mas na base do evangelho que liberta o nosso povo de estruturas antigas e modernas que resultam em escravidão, ignorância, doença e exploração

Recomendações

Organizações indianas

Reatribuam recursos à educação teológica e ao trabalho no terreno para abordar desafios nacionais, especificamente para a elite instruída nas cidades-chave: as capitais nacionais e de estado, as cidades mais importantes em tecnologia de informação (Bengaluru, Pune, Noida/Gurgaon), donos de pequenas e médias empresas, jovens profissionais, jornalistas, escritores, personalidades de rádio e televisão, pensadores e pessoas ativas nas redes sociais.

Os grupos e áreas em que a Hindutva mais tiver investido serão os mais abertos a ser abordados assim que a desilusão se instalar. Especificamente, procurem desenvolver e comunicar uma perspetiva bíblica sobre temas como desenvolvimento nacional, eliminação da corrupção,[9] educação, família, amor, sofrimento, saúde e tecnologia.

Organizações não-indianas

Abandonem a mentalidade não-bíblica do melhor retorno sobre o investimento financeiro. Basear o apoio em «resultados» terrenos é um enorme incentivo para a corrupção e mentira descarada — usando os métodos errados para criar convertidos ilusórios e depois usando esses números inventados para angariar fundos.

Embora a ascensão da Hindutva tenha tornado mais difícil o apoio não-indiano a trabalho missionário, isso não é mau: o joio de fundos externos está a desaparecer, e a vida espiritual genuína brilhará ainda mais. No entanto, os Hindutva atacam não apenas vidas mas também sustento, por isso a capacidade de cristãos indianos ganharem dinheiro precisa de ser aumentada ao atribuir bolsas para estudos superiores em campos profissionais e académicos além de teologia, e ao criar parcerias de negócios.

Seguidores de Jesus indianos

Precisamos de estar preparados para sofrer perseguição, marginalização e até morte para continuarmos a ser testemunhas fiéis daquele que nos transformou. Também precisamos de trabalhar na esfera pública para garantir o sal da Constituição, do sistema legal, medicina, saúde, educação, estradas, transportes ferroviários, mapeamento, engenharia, contabilidade, tecnologia, etc., para que toda a nação reconheça a dívida devida a Cristo em todos estes campos.

Indianos e outros cristãos

Alguns cristãos, de forma pouco sábia, oram para que Modi perca estas eleições. Não é possível que alguém pior o substitua? Então, como devemos orar? Como a Escritura nos ensina, devemos orar:

  • neste momento, contra políticas e práticas irracionais, e para que Modi e outros líderes sejam liderados pelo Senhor, mesmo inconscientemente;
  • para que as eleições façam surgir os melhores líderes;
  • e para que, depois das eleições, os novos líderes (sejam quem forem) se tornem melhores e mais sábios à medida que lidam com os desafios de liderar o desenvolvimento da nossa nação.

Todos precisamos de deixar claro que os indivíduos podem opor-se ou apoiar qualquer partido político (incluindo o BJP), mas o nosso compromisso principal como corpo é o bom governo para que todos os indianos (e não apenas alguns) possam prosperar.

Implicações mais amplas

Infelizmente, no geral, a igreja global moveu-se na direção de extrair das Escrituras apenas o suficiente para criar uma espécie de aspirina que dê conforto. Fazer isso deixa de fora aquilo que faz da Palavra de Deus um chicote e um martelo para estruturas sociais e políticas. A Bíblia foi criada por Deus para ser um fogo que ilumina nações ou mesmo o mundo inteiro.

Embora tenha havido boas contribuições para o desenvolvimento de uma visão bíblica da globalização, houve muito poucos esforços para explorar uma visão bíblica de nações, especificamente tendo em conta o aumento de nacionalismos. Por exemplo:

  • O Irão tem o nacionalismo muçulmano xiita.
  • A Índia tem o nacionalismo Hindutva.
  • O Sri Lanka tem o nacionalismo budista.
  • A China tem o nacionalismo maoísta inspirado por Xi.

É necessário uma visão bíblica de cada nação em particular, dada a sua história e características particulares

Todos os nacionalismos têm elementos em comum, mas cada um tem também ingredientes únicos. Portanto, embora seja preciso desenvolver uma teologia global de nações, também é necessário uma visão bíblica de cada nação em particular, dada a sua história e características particulares. Finalmente, a teologia individual da nação específica precisa de ser comunicada a cristãos comuns nesse país para que possam expressá-la nas suas famílias, vizinhança, desafios profissionais e — sobretudo — em debates nacionais nos meios de comunicação.

Por outras palavras, o discipulado de cristãos tem de ser levado muito mais a sério. Mesmo que tivéssemos mais evangelistas, eles não conseguiriam exercer os seus dons em público, onde os nacionalismos são dominantes. É por isso que, numa era de nacionalismos crescentes, a maior necessidade da igreja global são cristãos que encarnem e comuniquem o evangelho na sua vizinhança e local de trabalho.

Notas finais

  1. Nota do editor: Ver artigo de Tehmina Arora intitulado «Religious Identity, Nationalism, and Violence», na edição de maio de 2018 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2018-05-pt-br/identidade-religiosa-nacionalismo-e-violencia
  2. Ou «Hindutvavaadi», embora esta seja uma construção linguística do Norte da Índia; as línguas do Sul da Índia tendem a produzir uma palavra como «hindutvan». Embora o BJP e o RSS tenham tentado estabelecer-se no Sul da Índia, as doutrinas e práticas que seguem provêm basicamente do Norte da Índia.
  3. Dr B. R. Ambedkar, Thoughts on Pakistan (Writings and Speeches, Vol 8, p 358).
  4. Na maioria das línguas indianas, incluindo o sânscrito, a terra é considerada feminina. É uma peculiaridade do BJP/RSS que, na sua busca por musculosidade, e particularmente sob a influência do Mein Kampf de Hitler, prefiram descrever a Índia como «terra-pai» em vez de «terra-mãe».
  5. «Terra Santa» no mesmo sentido em que os judeus consideram Israel ou os muçulmanos a Arábia Saudita.
  6. A Constituição indiana reconhece diferentes leis de família para hindus, muçulmanos, etc. Os Hindutva gostariam que todos os indianos estivessem debaixo de um Código Civil alinhado com a perspetiva Hindutva.
  7. Isto é, uma família alargada, composta por pelo menos três gerações e os seus cônjuges, vivendo juntos como um único agregado familiar.
  8. Nota do editor: Ver artigo de Ken Gnanakan e Atul Aghamkar intitulado «India’s Water Crisis», na edição de março de 2018 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2018-03-pt-br/a-crise-da-falta-dagua-na-india.
  9. Nota do editor: Ver artigo de Arpit Waghmare intitulado «Choosing to be Salt & Light» na edição de novembro de 2012 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/content/lga/2012-11/choosing-to-be-salt-light-can-the-church-in-india-become-a-model-in-the-fight-for-anti-corruption.

Photo credits

i’ve voted!‘ by Parthan (CC BY-SA 2.0).

O autor (anónimo por pedido) é um investigador e escritor nas áreas interligadas da identidade, radicalização, tendências religiosas globais e liberdade religiosa. Escreveu vários livros e artigos e é um orador frequente.