Global Analysis

O problema dos falsos profetas em África

fortalecer a igreja diante de uma tendência preocupante

Moses Owojaiye nov 2019

Desde a época em que os missionários começaram a chegar a África, o cristianismo tem tido um impacto positivo na esfera sociocultural em todo o continente. Além do envolvimento no evangelismo e no discipulado, várias comunidades cristãs estabeleceram instituições de ensino primário, secundário e terciário, clínicas e hospitais, projetos de alívio da pobreza, orfanatos e até iniciativas cívicas. Como resultado, o cristianismo não só continua a crescer em grande parte do continente, como também alcançou uma aceitação pública significativa enquanto força que contribui para o bem social.

Determinadas práticas erodem a credibilidade moral histórica e a força pública do cristianismo.

A ascensão dos falsos profetas

Hoje, no entanto, existe um sentimento de preocupação acerca de determinadas práticas, que erodem a credibilidade moral histórica e a força pública do cristianismo. De uma perspetiva eclesiológica e teológica, o coração do problema está na rápida ascensão e visibilidade mediática de pastores «duvidosos», que são os falsos profetas do nosso tempo. Entre os autoproclamados «homens de Deus» ou «servos de Deus», os valores que distinguiam tradicionalmente o ministério cristão estão cada vez mais ausentes:

  • Valores como humildade, compaixão, serviço altruísta e uma liderança servil têm sido substituídos de modo crescente por uma preocupação com a imagem, o engrandecimento próprio e o aumento da influência do ministério pessoal a todo o custo.
  • No passado, valores como a generosidade e a caridade, acompanhados por um estilo de vida frugal, eram sinais autoevidentes de bons líderes da igreja, pastores, clero e de todo o tipo de obreiros da igreja, como evangelistas ou catequistas. Diante das dificuldades, um cristão pobre podia esperar conseguir ajuda até mesmo de um pastor de poucas posses, que partilharia o pouco que tinha. Estes valores praticados por gerações anteriores de obreiros cristãos estão cada vez mais a ser substituídos por algo que, aparentemente, é uma ênfase indiscriminada nas bênçãos materiais como marca de um relacionamento genuíno com Deus.

Não conheço outro ministério que tenha danificado tanto a imagem da igreja na esfera pública africana como o destes autoproclamados profetas, que perverteram o que os carismáticos acreditam ser um ministério profético genuinamente bíblico. Embora o fenómeno não seja exclusivo de África, este tipo de abuso público dos ministérios pastoral e profético aparenta ser mais óbvio aqui do que noutros lugares. Para esta geração crescente de pastores gananciosos, quanto mais adereços materiais possuírem, mais visível é o selo de aprovação de Deus sobre o ministério deles. É verdade que a Bíblia alerta para a existência de muitos falsos profetas nos últimos tempos, e também é certo que ao longo da história da igreja os falsos profetas têm sido uma constante. Porém, esta é agora uma situação prevalente na igreja em África.

Os motivos

Há muitos motivos para este crescimento acentuado de profetas autoproclamados:

  • Num continente em que a igreja vive um crescimento exponencial mais acelerado do que qualquer período na história, o paradoxo bíblico do crescimento paralelo do trigo e do joio é uma realidade.
  • Muitos destes profetas estão a aproveitar-se dos inúmeros desafios enfrentados por um continente sujeito a uma rápida transformação social.
  • Os africanos são pessoas religiosas por natureza. Tal como vários investigadores afirmam, a cosmologia africana não separa o espiritual do não espiritual. Portanto, as esferas económica, médica e cultural da realidade estão abertas a múltiplas interpretações.

Os profetas carismáticos que serviram fielmente no passado são capazes de sucumbir à fama, ao sucesso e ao orgulho, ao ponto de se tornarem vigaristas para manter a sua imagem

Muitos líderes carismáticos são reconhecidos e respeitados como sendo profetas, alguns deles com histórias genuínas de liderança espiritual convincente relativas a acontecimentos sociais significativos. No entanto, estes antecedentes de bons profetas carismáticos, com um longo histórico de ministério, tornaram difícil para a maioria dos cristãos normais distinguir os falsos profetas dos genuínos.

Mesmo os profetas carismáticos que serviram fielmente no passado são capazes de sucumbir à fama, ao sucesso e ao orgulho, ao ponto de se tornarem vigaristas para manter a sua imagem. Tal como Jesus mencionou na parábola do trigo e do joio, num campo que está realmente vivo com a chuva do Espírito de Deus, é difícil distinguir a obra do diabo. Portanto, nós os envolvidos no ministério cristão e na reflexão teológica precisamos, cada vez mais, de abordar o assunto e de continuar a estudar as Escrituras, no sentido de guiarmos mais cristãos na direção certa.

Profetas genuínos vs. falsos profetas: uma perspetiva bíblica

De acordo com a teologia carismática, ao ser uma das funções de liderança do Antigo Testamento (1 Sam. 9:9, 11, 19; 2 Sam. 15: 27) e do Novo Testamento (Efé. 4: 11), a função profética está disponível para homens e mulheres escolhidos (Atos 2:17). Os carismáticos ensinam que mulheres como Miriam (Êx. 15:20), Débora (Juízes 4:4), Hulda (2 Reis 22:14; 2 Crón. 34:22), Noadias (Neem. 6:14) e Ana (Lucas 2:36) se juntaram à lista de homens chamados a orientar, edificar e amadurecer o povo de Deus, de modo a tornarem-se uma comunidade temente a Ele.

Do mesmo modo, os carismáticos acreditam que um profeta, ao ser escolhido por Deus, serve como canal de comunicação fiável entre Deus e a humanidade em lugares e circunstâncias específicos (1 Reis 17: 1). Os profetas podem também ser chamados a revelar ou prever acontecimentos que estariam, de outra forma, ocultos, de forma a restaurar a verdade e encorajar a busca da verdade em nações inteiras (Amós, Jonas). Um profeta também pode desafiar o mal existente entre os líderes de uma sociedade mais alargada (Dan. 5: 13-31; Natan em 2 Sam. 12:1-12 e João Baptista em Mat. 14: 1-12).

Os profetas cujas intenções são egocêntricas ou malignas já existem desde os tempos bíblicos (Mat. 7: 15-20; Atos 13: 6-12; 2 Pd. 2: 1-3; Jer: 29:9). São três os aspetos que distinguem os profetas genuínos dos falsos:

Um profeta genuíno é muitas vezes treinado através de um longo e comprovado relacionamento com Deus.

A sua conduta não contradiz a palavra de Deus (1 João 4:1-3).

As suas previsões realizam-se e é frequente levarem a desfechos bons para a sociedade, em particular para os interesses dos pobres e dos marginalizados (Deut. 18:20-22; Núm. 23:19; Ezeq. 33:33; 1 Sam. 3:19). 2 Crónicas 18:13 e Mat. 24:35).

O contexto africano

Durante décadas, as mundivisões religiosas pluralistas da cosmologia africana, e a evidente religiosidade contemporânea dos africanos, foram o foco do estudo dos principais investigadores africanos. Alguns nomes atuais incluem Nimi Wariboko, Opuku Onyina, Ogbu Kalu e Kwabena Asamoah-Gyadu. Ogbu Kalu afirma que a mundivisão dos africanos aborda a totalidade da realidade através de vários prismas culturais e religiosos.[1] De acordo com a causalidade tradicional, a compreensão (e a melhoria) do destino, a sobrevivência e a preservação do bem acontecem através da intervenção religiosa.[2]

Nos seus muitos estudos da religião e sociedade africanas, Stephen Ellis e Gerrie Ter Haar demonstram a importância de ter em conta a visão da realidade e a cosmologia dos africanos ao examinar o papel da religião na esfera pública. Os africanos não possuem uma distinção estrutural entre os mundos visível e invisível, embora seja possível distinguir ambos.[3] A ligação entre o mundo visível e o invisível é controlada por forças sobrenaturais, forças do bem e do mal.[4] A consciência da existência destas forças é uma grande fonte de medo e ansiedade.[5]

Os africanos consideram os funcionários religiosos pessoas que possuem capacidades sobrenaturais para intervir nas incertezas da vida causadas pelas atividades das forças espirituais no mundo invisível

De modo a estar a salvo dos ataques malignos, é necessário procurar intencionalmente proteção junto de funcionários religiosos que tenham acesso as forças sobrenaturais do bem. Esta crença coloca os funcionários religiosos numa posição estratégica como mediadores especiais entre a esfera sagrada e a secular, bem como dos mundos do bem e do mal. De acordo com Asamoah-Gyadu, «os funcionários ou especialistas religiosos são pessoas que, devido à sua proximidade com as realidades sobrenaturais, à possessão de poder ou intuição místicos e ao conhecimento de como funcionam as fórmulas e objetos religiosos, ocupam o lugar central na religião como megafones dos seres e poderes transcendentes».[6] Os africanos consideram os funcionários religiosos pessoas que possuem capacidades sobrenaturais para intervir nas incertezas da vida causadas pelas atividades das forças espirituais no mundo invisível. Partindo de uma perspetiva africana, isto é o que explica a prevalência do ministério profético, tanto na sua expressão carismática como, agora, na forma pervertida que desacredita toda a igreja.

Alguns exemplos

Ainda há pouco tempo, na África do Sul, vítimas de alegado abuso sexual relataram as suas experiências à BBC e criticaram a invulnerabilidade dos intitulados homens de Deus, que usam as suas posições de «profeta» para encobrir abusos.[7] Seguiu-se uma reação extremamente negativa contra os líderes das igrejas, incentivada pelo presidente da África do Sul ao exortar os sul-africanos a unirem-se para combater a ameaça representada pelos falsos pastores. A isto seguiu-se um protesto público de três dias, liderado por Solomon Izang Ashoms, fundador do Movement against Abuse in Churches (Movimento contra o abuso nas igrejas). O facto de ter sido necessário um protesto que envolveu políticos e ativistas civis, em vez da igreja, sugere que esta não está a desempenhar o seu papel de lâmpada no cimo do monte ou de sal da terra.

Algumas reivindicações de poder profético roçam o absurdo e o irracional. No entanto, na era das redes sociais, estas afirmações tornam estas pessoas ainda mais populares à medida que os mais pobres e desesperados procuram ajuda onde quer que possam. Um famoso autoproclamado profeta do Zimbabué e outro do Maláui anunciaram ter descoberto a cura para o VIH/SIDA, levando doentes a não procurar ajuda médica. Um pregador sul-africano encoraja os seus seguidores a comer erva e beber gasolina; outro borrifa inseticida na congregação para os libertar do mal.[8]

Existem outros que fazem afirmações a roçar a blasfémia. A certa altura, um profeta queniano afirmava ter os poderes de Moisés e Elias, ter visitado o paraíso e conversado com Deus. Em 2017, a polícia do estado do Oyo, na Nigéria, ostentou um pastor que, alegadamente, possuía uma cabeça humana e apetrechos para rituais. Noutros lugares, as acusações de abuso sexual e desvio de dinheiro e propriedade são divulgadas nas redes sociais com frequência.

Os falsos profetas foram astutos e aprenderam a papaguear o que os seguidores mais pobres e fragilizados estão desesperados para ouvir. Embora se saiba acerca dos abusos, estes autoproclamados profetas conservam milhares de seguidores que financiam as suas atividades.

Intervenções do governo

Em 2016, o procurador-geral do Quénia propôs uma longa lista de requisitos para igrejas, incluindo um nível mínimo de educação teológica, limites anuais de membros e afiliação a organizações patrocinadoras.[9] Este protocolo foi, porém, rapidamente abandonado pois nem o governo nem as organizações eclesiásticas existentes demonstraram vontade de o aplicar. Um dos esforços mais bem-sucedidos de fiscalização regulatória veio do governo do Ruanda, que introduziu requisitos exigentes para igrejas novas e existentes. Estas medidas legislativas são essenciais, mas entre as próprias igrejas é necessário trabalhar muito mais com base numa perspetiva baseada na Bíblia.

É urgente que a igreja promova o tipo de literacia bíblica e discipulado que aborde os problemas contemporâneos que levam os congregantes a acorrer a estes profetas em primeiro lugar.

O que deve fazer a igreja?

Este desafio gigantesco salienta várias questões que precisam de ser abordadas. É necessário incluir uma avaliação dos modelos de recrutamento e formação de líderes nas intervenções, incluindo a reconsideração do currículo teológico usado para formar líderes.[10] É urgente que a igreja promova o tipo de literacia bíblica e discipulado que aborde os problemas contemporâneos que levam os congregantes a acorrer a estes profetas em primeiro lugar.

Estas soluções exigirão uma colaboração e coordenação intencionais. Terão de envolver oportunidades locais, pan-africanas e globais para a formação de redes, parcerias e mentoria entre formadores pastorais e praticantes. Serão necessárias conferências que se foquem no cristianismo bíblico e no discipulado dos praticantes do ministério cristão. Por fim, aqueles que conhecem a verdade e estão preocupados com o estado atual da igreja africana deverão orar pela construção dos seus alicerces e pelo seu amadurecimento enquanto igreja de Cristo em África.

Notas finais

  1. Ogbu Kalu, ‘Yabbing the Pentecostals: Paul Gifford’s Image of Ghana’s New Christianity’, African Pentecostalism: Global Discourses, Migrations and Exchange and Connects, Wilhelmina J. Kalu, Nimi Wariboko, and Toyin Fabola, eds., (Trenton, NJ: Africa World Press, Inc., 2010), 149-62.
  2. Cephas N. Omenyo, and Wonderful Adjei Arthur, ‘The Bible Says! Neo-Prophetic Hermeneutics in Africa’, Studies in World Christianity, Vol. 19, No. 1 (2013), 56-57.
  3. Stephen Ellis and Gerrie Ter Haar, ‘Religion and Politics: Taking Epistemologies African Seriously’, The Journal of Modern African Studies, Vol. 45, No. 3 (Sep. 2007), 385-401, 377.
  4. Ruth Marshall, ‘Pentecostalism in Southern Nigeria: An Overview’ in New Dimensions in African Christianity, ed. by Paul Gifford (Nairobi: All Africa Conference of Churches, 1992), 22.
  5. David T. Adamo, Exploration in African Biblical Studies (Benin City: Justice Jeco Press and Publishers Limited, 2005), 54.
  6. J. Kwabena Asamoah-Gyadu, ‘‘Blowing the Cover:’ Imagining Religious Functionaries in Ghanaian/Nigerian Films’, Religion, Media and the Marketplace, Lynn Schofield Clark, ed., (London: Rutgers University Press, 2007), 224-43.
  7. Mbuleo Mtshilibe, ‘Fake Pastors and false Prophets rock South African faith’ in BBC News: https://www.bbc.com/news/av/world-africa-47541131/fake-pastors-and-false-prophets-rock-south-african-faith.
  8. ‘Religious Trickery Lines the Pockets of False Prophets’ in The Sunday Independent: https://www.iol.co.za/sundayindependent/dispatch/religious-trickery-lines-the-pockets-of-false-prophets-7153764/.
  9. Tom Osanjo, ‘Kenya’s Crackdown on Fake Pastors Stymied by Real Ones’ in Christianity Today: https://www.christianitytoday.com/ct/2016/june/kenya-crackdown-fake-pastors-stymied-real-ones.html.
  10. Nota do editor: Consulte o artigo de Ashish Chrispal, com o título «Restaurando a visão missional na educação teológica’ https://https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2019-09-pt-br/restaurando-visao-missional-na-educacao-teologica e o artigo de Brian Woolnough, ‘Repensando a educação nos seminários’ https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2019-09-pt-br/repensando-educacao-nos-seminarios, ambos na edição de setembro da Análise Global de Lausanne.