Global Analysis

Liderança global para a missão global: como formar líderes de missões de nível internacional

Como formar líderes de missões de nível internacional

Mary Ho nov 2016

Há quarenta anos seria impossível uma mulher como eu, oriunda de Taiwan, liderar uma organização missionária internacional. Hoje, porém, sou um exemplo da globalização em missões. Na década de 1970, existiam menos de 1000 missionários não-ocidentais.[1] No presente, o número de missionários destes países ultrapassa o dos provenientes de países ocidentais.

Durante décadas, após a conferência de Edimburgo em 1910, estabeleceu-se uma visão de mundo missionária dualista, que perpetuou uma igreja ocidental que se via a si mesma como igreja que enviava e uma igreja não-ocidental cuja identidade assentava apenas em receber.[2] Mas agora tudo mudou: fazer missões já não é mais uma “estrada de sentido único” que parte do Ocidente para o resto do mundo.[3]

Mudança no campo missionário

Hoje, missões mais parece um “congestionamento de trânsito”: obreiros que vêm de todos os países, vão para todos os países e convergem em todos os países. A igreja cristã é cada vez mais uma igreja global. Ao passo que, em 1960, apenas 30% dos cristãos eram oriundos da esfera não-ocidental,[4] cerca de 80% da população protestante e católica à escala mundial estará na África, na Ásia e na América Latina até 2050.[5]

A igreja cristã é um fenômeno global e fazer missões é uma iniciativa que abrange o mundo todo.

Os líderes globais de missões irão também exercer essa liderança num mundo cada vez mais volátil e a sofrer mudanças dramáticas:

  • Em termos econômicos, os países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina já contribuem com 70% do crescimento do investimento global.[6]
  • O poder político será transferido dos países ocidentais do G-7 para diversos intervenientes, incluindo entidades não-estatais fortalecidas pelo desenvolvimento de tecnologia.[7]
  • Até 2050, a maioria da população mundial viverá nos países não-ocidentais, sendo que apenas 12,6% residirá no Ocidente.[8]
  • Até 2050, 71% da população mundial habitará em cidades, mas apenas duas das dez maiores metrópoles estarão em regiões mais desenvolvidas.[9] Existirão quase dois mil milhões de pessoas vivendo em favelas, potenciando o risco de epidemias.[10]
  • Até 2050, outros 170 milhões de migrantes sairão em grande parte de países em desenvolvimento (África, Ásia, América Latina e Oceânia).[11]

As missões de hoje e do futuro terão o seu principal foco nestas regiões, onde muitos dos recursos, empregos e população do mundo estão aumentando, mas também onde se intensificam os problemas socioeconômicos complicados. Os trabalhadores do campo missionário que irão completar a evangelização mundial nesta geração formarão um mosaico de líderes globais, possuindo origens, capacidades e experiências diversas – e que até podem colidir. Neste mundo cada vez mais complexo, cada líder de missões terá de ser um líder global que domina competências de liderança global fundamentais.

Quem é um líder global?

Na sua obra fenomenal Being Global (Ser Global), Angel Cabrera e Gregory Unruh traçam o perfil dos verdadeiros líderes globais:[12]

Os líderes globais desenham soluções ao juntarem pessoas e recursos ultrapassando barreiras nacionais, culturais e até organizacionais. São visionários inspirados por um desafio à escala mundial que permanece por resolver, uma injustiça social ignorada ou uma oportunidade de negócio ainda por explorar

Portanto, é atravessando grandes divisões que os líderes globais desempenham o seu papel. Eles têm a capacidade formidável de reunir pessoas e recursos para tornar possível o impossível:[13]

Eles são capazes de identificar e desafiar pessoas diferentes que, juntas, possuem todas as peças necessárias para que uma visão se torne realidade… Os líderes globais entendem as diferenças culturais, sociais ou políticas que separam aqueles que podem contribuir e encontram formas de os edificar, cultivar e conectar apesar – e às vezes por causa – dessas diferenças.

or conseguinte, os líderes globais desenvolveram as competências essenciais para conectar, criar e contribuir valor atravessando fronteiras.[14]

Já muitos autores escreveram sobre liderança global, e grande parte deles adotou uma de três abordagens: a abordagem universal cujo destaque está no líder enquanto líder, a abordagem de contingência no líder como gestor local e a abordagem normativa no líder como gestor global.[15]Nenhuma delas é definitiva, mas, como líder global, vim a descobrir que o valor de cada uma é inestimável.

Liderança universal

A abordagem universal considera que a liderança é um comportamento generalizado e universal independente da cultura.[16] Muitas das teorias de liderança do Ocidente, especialmente a liderança carismática baseada em valores (também conhecida como liderança transformacional), adotaram esta abordagem.[17] [18]

Por isso, embora adapte o meu comportamento às diferentes culturas com que me deparo, visto ser uma líder mulher e asiática, tenho confiança ao interagir com grande parte delas, porque alimentei estas capacidades de liderança carismática: lançar a visão, inspirar a outros, liderar uma equipe de alto rendimento e ser um exemplo de preocupação e integridade.[19]

Similarly, I conduct a regular self-check of the 22 leadership attributes identified by the GLOBE project—which surveyed more than 17,000 leaders in 62 national societies—as being universally desired in most cultures:[20]

  • Fidelidade
  • Justiça
  • Honestidade
  • Encorajamento
  • Justifica os motivos
  • Digno de confiança
  • Inteligência
  • Resolver problemas para benefício de todos
  • Negociador eficaz
  • Informado
  • Constrói equipes
  • Planeja com antecedência
  • Dinamismo
  • Motivador
  • Sabe administrar
  • Orientado para a excelência
  • Decisivo
  • Comunicativo
  • Coordenativo
  • Pensa no futuro
  • Positivo
  • Constrói confiança

Da mesma forma, e especialmente em alturas de provação, realizo a mesma autoavaliação; só que desta vez uso os oito atributos indesejáveis universais que poderão diminuir a minha capacidade de praticar uma liderança transcultural eficaz:[21]

  • Solitário
  • Irritável
  • Impiedoso
  • Ditatorial
  • Antissocial
  • Pouco explícito
  • Não cooperativo
  • Egocêntrico

Conhecer e desenvolver estes atributos de liderança universais, e eliminar os indesejáveis, é algo vital para líderes de missões à medida que exercem essa liderança cruzando múltiplas fronteiras nacionais.

Liderança de contingência

A segunda perspetiva é a abordagem de contingência, que assume não existirem universais de liderança e afirma que a liderança é um processo integrado na cultura e dependente de outras circunstâncias. As obras essenciais a consultar sobre o tema são a investigação de Geert Hofstede e o projeto GLOBE que aborda as dimensões variáveis das culturas nacionais e dos estilos de liderança locais.[22]

Como líderes na área de missões, é importante aprendermos com a abordagem de contingência, porque os estudos realizados demonstram que, em primeiro lugar, “os líderes comportam-se de forma consistente com o tipo de liderança desejada pela cultura” e, em segundo lugar, “os líderes que se comportam de acordo com as expectativas são eficazes”.[23]

Antes de visitar um país, começo por rever a obra When Culture Collides: Leading across Cultures (“Quando a cultura colide: liderar em várias culturas”) de Richard Lewis.[24] Aqui, avalio o estilo de liderança, de comunicação, de interação social e de tomada de decisões dominante no local.

Depois, consulto o índice cultural de Hofstede para perceber se se trata de uma cultura hierárquica, coletivista ou que valoriza o tempo. É uma cultura masculina ou feminina? Assenta na dicotomia entre honra e vergonha ou na culpa? Aqui, faço uma pesquisa de artigos no GLOBE para entender se o país prefere um estilo de liderança participativo, humano ou autônomo.

De entre as várias perspetivas sobre liderança global, a abordagem de contingência tem em conta as expectativas quanto à liderança local e é a que mais vê a liderança como uma idealização da cultura.

Liderança normativa

A abordagem normativa é a mais prática para líderes na área de missões e tem como foco o cultivo de competências para a liderança global, tais como adquirir uma mentalidade global ou inteligência cultural.[25] Os líderes que possuem capacidades de liderança global são capazes de ativar estratégias, planos de negócio, processos operacionais e estilos de liderança que transcendem várias fronteiras nacionais e equipes com motivações e contextos diversos.[26]

Entre as competências globais mais práticas estão os dez comportamentos de liderança identificados por Ernest Gundling, Terry Hogan e Karen Cvitkovich. Estes estão integrados nas cinco fases sucessivas do método SCOPE: “Ver as diferenças; reduzir a distância; abrir o sistema; preservar o equilíbrio; e, definir soluções”.[27]

Ver as diferenças de duas formas:[28]

  • A autoconsciência cultural é compreender que as nossas práticas de liderança são previamente condicionadas, sendo que existem formas alternativas de ver as coisas e de atingir o objetivo.
  • Abraçar o inesperado é a postura de aprendizagem do líder global, refletida quando se fazem as perguntas certas, se mergulha na cultura e se adquire conhecimento sobre a história, a política, o idioma, as características culturais e os aspectos de orgulho local.[29]

Reduzir a distância cultural de duas formas:[30]

  • Resultados através de relacionamentos ocorrem quando os líderes globais entendem que, na grande maioria das culturas, a maior parte das coisas faz-se através do desenvolvimento de relacionamentos-chave e de redes relacionais, não por meio dos canais formais.
  • Alterar o enquadramento implica que os líderes mudem as suas perspetivas e comportamentos para se adequarem à cultura, o que inclui o estilo de comunicação e de liderança, bem como a estratégia de liderança.

Abrir o sistema é fundamental depois de eliminar o fosso cultural:[31]

  • Expandir o sentido de responsabilidade significa expandir a liderança a pessoas que costumam ser excluídas devido a barreiras sociais e organizacionais. Implica também desenhar processos que sejam sistematicamente inclusivos, para que mais indivíduos possam ter acesso à informação e envolverem-se nos objetivos comuns.
  • Desenvolver futuros líderes ocorre quando os líderes globais de missões identificam e ajudam, de forma proativa, a formar líderes de potencial elevado que podem ajudar uma organização global a crescer nas suas áreas fundamentais.

Preservar o equilíbrio entre os valores locais e os pessoais:[32]

  • Expandir o sentido de responsabilidade significa expandir a liderança a pessoas que costumam ser excluídas devido a barreiras sociais e organizacionais. Implica também desenhar processos que sejam sistematicamente inclusivos, para que mais indivíduos possam ter acesso à informação e envolverem-se nos objetivos comuns.
  • Desenvolver futuros líderes ocorre quando os líderes globais de missões identificam e ajudam, de forma proativa, a formar líderes de potencial elevado que podem ajudar uma organização global a crescer nas suas áreas fundamentais.

Preservar o equilíbrio entre os valores locais e os pessoais:[33]

  • A influência que cria pontes exige líderes de missões que servem como embaixadores dotados de perspicácia política e conhecimento profundo dos assuntos em várias funções, que sejam também facilitadores eficazes da colaboração ao criarem pontes.
  • As soluções de terceira via recorrem a todos os comportamentos para criar soluções globais

Conclusão

Os líderes globais na área de missões têm de saber qual o momento certo para aplicar as capacidades adequadas em diferentes ocasiões.[34]

Os momentos de autorreflexão cultural são úteis para medir cada situação. Para mim, a autoconsciência cultural é o ponto de partida para examinar as minhas próprias ideias e práticas preconcebidas, para depois decidir quais delas coloco de lado nesse caso específico.

Seja qual for o país que visite, tento criar pontes colocando os relacionamentos – e não as tarefas – em primeiro lugar, de modo a fomentar uma ligação e confiança genuínas. Coloco todo o tipo de questões e espero ser surpreendida.

Como líderes de organizações globais, temos de ser facilitadores da tensão criativa entre centralização e descentralização; por vezes é necessário uniformizar uma política ou processo em todo o mundo e, noutras ocasiões, é preciso decidir em conjunto com a liderança local de modo a ter em conta a informação relevante no local.[35]

Às vezes, adaptamos informação já formatada às condições locais e noutras adotamos a abordagem ao aplicar a ideia proveniente de uma localização a outras. Este processo tem sido surpreendente devido às inovações produzidas fruto da combinação de ideias de fontes centralizadas e locais, ou à integração de diversas contribuições para criar uma nova norma.

Enquanto líderes de missões, somos chamados a sermos líderes globais de nível internacional. Precisamos cultivar competências de liderança globais para aquele que é o maior desafio à escala mundial: concluir a tarefa de evangelizar o mundo todo nesta geração.

Endnotes

  1. Cho D. ‘Kingdom mission: DNA of the missionary task’. Tokyo 2010 Global Mission Consultation Handbook. Pasadena: 2010. 27-34.
  2. Cho D. op. cit.
  3. Editor’s Note: See article entitled ‘Lausanne’s Renewed Engagement in Global Mission’ by Michael Oh and Justin Schell in the November 2015 issue of Lausanne Global Analysis.
  4. Cho D. op. cit.
  5. Johnstone P. The Future of the Global Church. Downers Grove: Intervarsity Press, 2011.
  6. National Intelligence Council. Global Trends 2030: Alternative worlds. 2012. NIC 2012-001.
  7. National Intelligence Council. op. cit.
  8. Johnstone P. op. cit.
  9. Editor’s Note: See article entitled ‘Movement Day and Lausanne’ by Mac Pier in the May 2016 issue of Lausanne Global Analysis.
  10. Johnstone P. op. cit.
  11. Johnstone P. op. cit.
  12. Cabrera A, Unruh G. Being Global: How to think, act, and lead in a transformed world. Boston: Harvard Business Review Press, 2012. 12.
  13. Cabrera and Unruh. op. cit.
  14. Cabrera and Unruh. op. cit.
  15. Steers RM, Sanchez-Runde C, Nardon L. ‘Leadership in a global context: New directions in research and theory development’. Journal of World Business. 2012. 47(4): 479-482.
  16. Ibid.
  17. Ibid.
  18. Dorfman P, Javidan M, Hanges P, Dastmalchian A, House R. ‘GLOBE: A twenty year journey into the intriguing world of culture and leadership’. Journal of World Business. 2012. 47(4): 504-518.
  19. Ibid.
  20. Northouse P. Leadership: Theory and practice. Los Angeles: Sage Publications, 2013.
  21. Ibid.
  22. Steers, et al. op.cit.
  23. Dorfman, et al. op. cit.
  24. Lewis R. When cultures collide: Leading across cultures. Boston: Nicholas Brealey Publishing, 2006.
  25. Steers, et al. op. cit.
  26. Gundling E, Hogan T, Cvitkovich K. What is global leadership? Boston: Nicholas Brealey, 2011.
  27. Ibid.
  28. Ibid.
  29. Ibid.
  30. Ibid.
  31. Ibid.
  32. Ibid.
  33. Ibid.
  34. Ibid.
  35. Ibid.