Global Analysis

Testemunho cristão em meio à tragédia no Japão

como o terremoto de 2011 transformou a compreensão do evangelho nas igrejas japonesas

Shoichi Konda jun 2017

O grande terremoto de 2011 no leste do Japão[1] fez com que as igrejas japonesas repensassem sua forma de evangelizar e se desenvolverem. Na área de Tohoku, no norte do Japão, existem muitos exemplos de pessoas que nunca haviam demonstrado interesse pelo evangelho, mas se tornaram receptivas após a tragédia de 2011. Esta abertura não se deveu a qualquer grande campanha evangelística nem a um programa atrativo nas igrejas. Antes, as pessoas foram atraídas ao cristianismo, pois viram Cristo nas vidas dos voluntários cristãos que, sem pedir nada em troca, estiveram continuamente presentes nas áreas afetadas para fornecer ajuda humanitária e apoio.

Os voluntários cristãos nunca foram embora

Logo depois da catástrofe de 2011, a costa de Tohoku, bastante afetada pelo maremoto, se inundou de voluntários locais e de outros países. No entanto, alguns meses depois — quando os centros de evacuação começaram a fechar, a distribuição de água e alimentos se tornou desnecessária e a tarefa de remoção de lama das habitações praticamente terminou — a maioria dos voluntários e organizações de ajuda foi embora. Mas os voluntários cristãos não.

Os cristãos estavam cientes de que as pessoas que estavam sofrendo tinham de lidar com necessidades não somente físicas.

Eles trabalharam através das igrejas locais e continuaram prestando apoio às pessoas afetadas pela tragédia, mesmo depois que estas saíram dos abrigos para um alojamento temporário. Os cristãos estavam cientes de que as pessoas que estavam sofrendo tinham de lidar com necessidades não somente físicas, como roupa, comida e habitação, mas também espirituais, à medida que processavam a perda de entes queridos e de tudo o que haviam possuído.

Ao mesmo tempo que se questionavam sobre a razão para terem sido atingidos por esta catástrofe, os pastores e voluntários cristãos se viram envolvidos num “ministério presencial”, escutando incansavelmente as vítimas repetindo suas histórias de luto, ansiedade e remorsos. Ainda hoje, passados seis anos do terremoto e do maremoto, muitos pastores, tanto homens como mulheres, continuam a visitar idosos da região de Tohoku, que estão sozinhos e presos em alojamentos temporários. Os pastores tomam chá com eles, conversam e oferecem apoio espiritual.

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Cristo nas vidas dos cristãos

Como os cristãos continuam visitando as pessoas afetadas pela catástrofe, eles foram apelidados de Kirisuto-san, ou “Sr./Sr.ª Cristo”, com respeito e gratidão.

Depois de a maioria dos voluntários partir, as pessoas em áreas afetadas por desastres muitas vezes vivem com a preocupação de serem esquecidas pelo resto do mundo, apesar de os trabalhos de restauro ainda estarem longe de terminados. Como os cristãos continuam visitando as pessoas afetadas pela catástrofe, eles foram apelidados de Kirisuto-san, ou “Sr./Sr.ª Cristo”, com respeito e gratidão. Este acontecimento nos lembra do que aconteceu no primeiro século. As pessoas começaram a usar o termo cristão com desprezo pelos seguidores de Jesus, mas depois a palavra ganhou um significado de respeito e afeto. O mesmo sucede vinte séculos depois no norte do Japão, onde as pessoas veem Cristo nas vidas dos cristãos.

A maioria dos cristãos que participaram na ajuda humanitária em Tohoku nunca pediram algo em troca como, por exemplo, que as vítimas escutassem uma apresentação do evangelho. Esmagados pela terrível devastação de Tohoku e pelas circunstâncias trágicas daquelas pessoas, os voluntários cristãos nunca pensaram em se envolver em “proselitismo indigno”’.[2]

Infelizmente, em algumas ocasiões, pequenos grupos de cristãos imbuídos de um certo fanatismo apareciam sem avisar nos alojamentos temporários das pessoas. Aí, distribuíam panfletos evangelísticos ou outra literatura sem sequer tentarem obter qualquer tipo de permissão dos residentes. Alguns destes cristãos apresentaram uma mensagem evangelística e fizeram convites a todos os que quisessem crer, mas nunca sequer tiveram em consideração as feridas abertas das pessoas com quem falavam. Estes cristãos foram categoricamente rejeitados pelos habitantes locais.

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Respostas à presença

Ao mesmo tempo, as mesmas pessoas aceitaram os cristãos que se apresentavam simplesmente como ajudantes da igreja e continuavam a servir as necessidades delas. Os residentes em alojamento temporário acolheram estes cristãos como amigos. Passado algum tempo, começaram a pedir para lhes falarem da Bíblia. Quando perguntavam aos cristãos o motivo de continuarem a fazer um caminho tão longo para os ajudar, aí estava um convite aberto para partilharem os seus testemunhos.

Na cidade de Iwaki, em Fukushima, a igreja do pastor Eiji Sumiyoshi se tornou num centro de distribuição de material humanitário enviado pelas igrejas mais distantes depois da catástrofe de 2011. Embora tivesse havido explosões na central nuclear 80 km a norte da igreja[3] e muitos residentes tivessem abandonado a cidade, Sumiyoshi permaneceu. Ele tomou conhecimento de que algumas pessoas de perto da igreja iriam ficar, e não podia simplesmente abandoná-las.

Juntamente com outras atividades, ele ajudou a suprir necessidades da comunidade servindo refeições no centro de evacuação. A sua presença permanente surpreendeu os residentes por completo. Dado que Sumiyoshi tinha chegado à igreja de Iwaki, vindo de Tóquio, somente quatro anos antes do acidente, os residentes assumiram que ele seria dos primeiros a fugir. Quando souberam que Sumiyoshi tinha escolhido ficar por causa deles, responderam com gratidão e respeito.

Várias pessoas quiseram, voluntariamente, frequentar a igreja e escutá-lo pregar aos domingos. Algumas se tornaram assíduas e foram batizadas. Tal como em qualquer comunidade local no Japão, as pessoas de Fukushima consideram os recém-chegados como estrangeiros durante, pelo menos, os primeiros anos. Porém, o pastor Sumiyoshi havia ganho a confiança dos seus vizinhos. “Desde o momento em que cheguei à igreja de Iwaki até ao momento do desastre, nunca tinha tido oportunidade de falar tão abertamente com os meus vizinhos como desde então”, assinala Sumiyoshi.

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Respostas dos pescadores

Houve outro pastor que foi ajudar várias vezes uma vila de pescadores junto à costa em que o maremoto tinha causado danos significativos. Certo dia, um dos pescadores chegou perto do pastor e disse: “Levo o deus dragão aos ombros, mas por cima da minha cabeça está Jesus.”

O deus dragão é uma divindade indígena a quem os pescadores locais costumam orar pedindo proteção no mar e uma boa pescaria quando arriscam suas vidas no oceano. A comunidade de pescadores é tão coesa que negar o deus dragão pode levar ao ostracismo. Este é o motivo provável pelo qual o pescador não se atreveu a negar o deus dragão, mesmo tendo aceitado Jesus como Senhor. Ele declarou a sua fé o melhor que pôde na altura, dizendo que tinha Jesus no cimo. Foi assim que o pastor interpretou a afirmação do pescador.

O dia chegaria em que o pescador não precisaria mais do deus dragão aos ombros. Aí, então, ele entregaria a sua vida somente a Jesus. O pastor aguarda, em oração, que tal aconteça. Um pescador local, até aí preso pela prática religiosa e costumes tradicionais, aceitou Jesus na sua vida. Para o pastor, este é um avanço sem precedentes.

Em uma situação diferente, outro pastor também tem levado auxílio até uma vila de pescadores. Alguns dos pescadores começaram a crer em Jesus. O pastor, contudo, não tem intenção de os incentivar a frequentarem o culto dominical na sua igreja, que fica mais para o interior. Os pescadores não seguem a semana do calendário. Eles vão pescar quando está bom tempo e descansam quando o mar está bravo.

O pastor se desloca até à vila quando está mau tempo para liderar um culto na casa de um dos pescadores. Quando a notícia da chegada do pastor começa a circular, vários dos pescadores se dirigem ao encontro. O estilo de culto não se parece em nada com o formato ocidental que conhecemos. A leitura não faz parte dos hábitos da maior parte destes pescadores. Por isso, o pastor partilha relatos do evangelho utilizando um livro com gravuras que ele fez, para contar as histórias de Jesus.

Desde 2011 que muito tem acontecido nas comunidades rurais mais conservadoras do Japão.

Lições aprendidas

Antes da catástrofe de 2011, alguns evangelistas pioneiros haviam tentado plantar igrejas nas vilas de pescadores ao longo da costa. O cristianismo que eles apresentavam era entendido como sendo Ocidental, uma religião totalmente irrelevante para os habitantes locais. Para seguir Jesus, era necessário abandonar os ídolos e frequentar um culto todos os domingos. Esta abordagem conservadora ao evangelismo nunca produziu frutos verdadeiros. Os cristãos no Japão, incluindo protestantes e católicos, constituem menos de 1 % da população. Ainda sujeita a fortes tradições religiosas, a área costeira de Tohoku tem um número particularmente reduzido de cristãos e igrejas em relação à população.

Porém, desde 2011 que muito tem acontecido nas comunidades rurais mais conservadoras do Japão. Estes fenômenos não são distintos de movimentos gerados de dentro para fora que têm surgido nos bastiões do Islã e do Hinduísmo em todo o mundo.[4]

Mudança de paradigma

Em Tohoku, a Miyagi Mission Network[5] (MMN) foi criada para aplicar as lições aprendidas através do apoio humanitário com vista a um evangelismo mais eficaz. Com o passar do tempo, o pastor Yukikazu Otomo, diretor da MMN, começou a acreditar que iniciar igrejas em casas é a chave para a multiplicação de igrejas e de cristãos. Otomo está convencido do valor de uma mudança de paradigma: sair do edifício da igreja rumo à comunidade local e começar igrejas nas casa dos crentes, em vez de seguir o modelo tradicional de reunir pessoas num edifício.

A escala sem precedentes desta catástrofe abriu os olhos dos cristãos japoneses para um entendimento mais holístico do evangelho, e está estimulando transformação nas estruturas que constituem o alicerce das igrejas.

O Sexto Congresso de Evangelismo do Japão  (JCE6)[6] teve lugar em setembro de 2016. Um dos quinze projetos do JCE6, Igrejas que carregam fardos juntas, explora como as igrejas podem colocar em prática as lições aprendidas com o grande terremoto do leste do Japão.

Alguns pastores que participaram no workshop do projeto lamentaram o fato de a igreja ter se mostrado tão pouco interessada no sofrimento das comunidades e nas pessoas que as constituem. Através do seu envolvimento em atividades de auxílio nas áreas afetadas pela catástrofe, os pastores compreenderam que o âmbito do cuidado pastoral não deve estar confinado aos limites da igreja, mas deve alargar-se à sociedade em geral.

O desastre de 2011 deu origem a este tipo de sensibilização, e as igrejas por todo o Japão — quer tenham passado por esta experiência ou não — devem reconsiderar a sua forma de se envolverem em missões. A escala sem precedentes desta catástrofe abriu os olhos dos cristãos japoneses para um entendimento mais holístico do evangelho, e está estimulando transformação nas estruturas que constituem o alicerce das igrejas.

Notas finais

  1. Relatório publicado em 2011 pelo Ministério de Gestão de Catástrofes do governo japonês. http://www.bousai.go.jp/kaigirep/chousakai/tohokukyokun/pdf/Outline.pdf
  2. O Compromisso da Cidade do Cabo, Parte II. C. 1
  3. Resumo dos acidentes na central nuclear Daiichi em Fukushima, publicado pela World Nuclear Association. http://www.world-nuclear.org/information-library/safety-and-security/safety-of-plants/fukushima-accident.aspx
  4. O Compromisso da Cidade do Cabo, Parte II. C. 4
  5. Website (só em japonês) http://www.mm-network.jp/
  6. http://jcenet.org/eng/

Photo credits

Feature image from ‘stand tall japan2‘ by Daniel Pierce (CC BY 2.0).

First image is from ‘Leaving The City‘ by Warren Antiola (CC BY-NC-ND 2.0). Second image is from ‘Ofunato‘ by Warren Antiola (CC BY-NC-ND 2.0). Third image is from ‘A Fisherman At Miyako Bay‘ by infradept (CC BY-NC-ND 2.0).