Global Analysis

Amando nossos vizinhos muçulmanos

Cinco histórias de imigrantes e seus vizinhos na Holanda

Matthew KaemingkMatthew Kaemingk maio 2018

Desde o início do século 21, a cidade de Amsterdã tem sido um foco de conflito sobre a imigração muçulmana no ocidente. Em 2014, Theo van Gogh, cineasta holandês e crítico veemente da imigração muçulmana foi morto a tiros e esfaqueado nas ruas de Amsterdam por um extremista muçulmano.

Um redemoinho nacional irrompeu; nas semanas seguintes mais de 40 mesquitas e igrejas foram vandalizadas ou queimadas. A cultura política holandesa deslocou-se à direita extrema, vendo o surgimento de líderes populistas virulentamente anti-islâmicos. Estes nacionalistas argumentavam que os imigrantes muçulmanos tinham duas opções: assimilar ou partir. Nas ruas de Amsterdã, os sentimentos de desconfiança, divisão e suspeita eram palpáveis – por ambos os lados.

Uma resposta cristã

A questão da imigração muçulmana não mostra sinais de desaceleração na Europa ou na América do Norte. A igreja não pode ignorar esta questão. Como, então, deve ser a reposta dos cristãos?

Durante os últimos 20 anos a maioria dos cristãos ocidentais reagiram à imigração muçulmana seguindo os argumentos da direita ou esquerda política:

  • A direita chamou os cristãos a verem os imigrantes muçulmanos com um sentimento de medo e suspeita.
  • A esquerda os chamou para relacionarem-se com os muçulmanos com um senso de paternalismo liberal e relativismo religioso.

Como um cidadão cristão, vejo as respostas da direita e esquerda com relação à imigração muçulmana como politicamente insustentáveis e teologicamente corruptas.

O conflito entre o islamismo e o ocidente representa uma oportunidade crítica para testemunha, hospitalidade e serviço dos cristãos

Eu acredito que existe, de fato, uma reposta unicamente cristã e alternativa a esta questão urgente. Além disso, acredito que este conflito entre o islamismo e o ocidente representa uma oportunidade crítica para testemunha, hospitalidade e serviço dos cristãos. Gostaria de apresentar cinco discípulos que estão incorporando uma testemunha alternativa de humildade em meio ao conflito.[1]

Eu acredito que o conflito representa um espaço missiológico crítico, no qual a igreja pode considerar novas oportunidades para o testemunho e a hospitalidade dos cristãos.[2] Os cinco discípulos captam de formas pequenas e humildes o que significa aprender e abraçar este ‘conflito de civilizações’.

Um pastor

Dois terços das pessoas vivendo na vizinhança de Nieuw-West em Amsterdã não nasceram na Holanda – metade é muçulmana. Assim como em muitos bairros urbanos na Europa, Nieuw-West tem altos níveis de pobreza, crime, violência, desemprego e tensões entre diferentes etnias.

Em 2009, Serge de Boer e quatro outros cristãos foram para bairro multicultural e plantaram uma igreja. Chamaram-na de Oase voor Nieuw-West (Oásis para Nova Oeste). Como plantadores de igrejas motivados, começaram a visitar seus vizinhos muçulmanos e frequentar o mercado. Eles envolviam imigrantes jovens com conversas e os convidavam para sua comunidade para uma refeição gratuita. A resposta geralmente era negativa.

Desencorajados, os membros do Oase fizeram uma virada crítica que mudaria para sempre sua postura com relação ao bairro onde a igreja se localiza. Em vez de oferecer para preparar uma refeição para seus vizinhos, a igreja começou a convidar os novos imigrantes para virem ao Oase e prepararem uma refeição para sua comunidade.
A resposta foi reveladora. Imigrantes do bairro todo começaram a vir à igreja para compartilhar seus pratos tradicionais com a comunidade. Quando pedi que Serge explicasse o que aconteceu ele notou que haviam três fatores significativos:

  1. Os imigrantes na Holanda são tratados frequentemente como clientes do Estado que precisam do apoio, educação e civilização holandeses. O Oase estava oferecendo aos recém-chegados a oportunidade de contribuírem e agirem por si próprios. A oportunidade de servir em vez de serem servidos.
  2. O Oase estava oferecendo aos seus vizinhos a oportunidade de compartilhar sua comida e cultura exclusivos em um país que frequentemente trata a cultura dos outros com suspeita ou uma atitude condescendente.
  3. Os recém-chegados consideraram a oportunidade de cozinhar para muitas  pessoas uma grande honra e uma responsabilidade social importante.

‘Deus deu à sua cultura algo lindo e o momento da refeição nos oferece uma oportunidade para celebrar isso’, diz Boer. Ele continua, ‘cada cultura tem seu lado bom e mau, mas quando você compartilha uma refeição você compartilha das coisas boas que Deus fez na cultura do outro’. Além disso, ‘eles não querem ser servidos pela comunidade, querem ser parte dela.’ Ele completa dizendo, ‘ao compartilhar uma refeição, ficamos muito mais relaxados, abertos e dispostos a conversar com os questão à nossa volta.’

Uma costureira

Alguns dos debates mais ferozes na Europa sobre imigração muçulmana acontecem na cidade de Rotterdam. Os níveis de confiança são baixos e os de tensão são altas.

Em meio a este combate urbano, um grupo de mulheres cristãs decidiu deixar seu marco. Elas não protestam, se elegem ou clamam por diálogos ou programas nacionais. Elas costuram. Todos os meses estas mulheres se encontram em um bairro de maioria muçulmana e costuram, tricotam e conversam, convidam suas vizinhas muçulmanas a se juntarem a elas. À medida que trabalham, as barreiras começam a se rachar e um vínculo se forma:

  • Os cristãos começaram a ver que os muçulmanos não são como o retrato passado pelos noticiários.
  • Os muçulmanos começam a ver que os cristãos não são o que eles vêm na zona de meretrício.
  • Os dois lados descobrem uma preocupação em comum pelo estado da moralidade, caráter e família na Holanda.
  • Eles se preocupam juntos pelos seus filhos nesta cultura cada vez mais materialista e secular.

À medida que as muçulmanas compartilham suas angustiantes histórias de imigração, o ato de ouvir se transforma em empatia cristã. As cristãs escutam como os holandeses ignoram, abusam e excluem seus vizinhos muçulmanos.

Este pequeno grupo de costura está realizando um fenômeno social raro na sociedade holandesa, algo que nenhum programa governamental conseguiu: estabelecer um diálogo entre fés e entre etnias e, mais que isso, relacionamentos com afeição.

As pedras de desentendimento, desconfiança e inimizade precisam ser levantadas pelo do cuidado e conversas.

As mulheres cristãs afirmaram sem rodeios que sua esperança era compartilhar a história de Jesus com suas novas amigas muçulmanas. ‘Mas,’ elas adicionaram rapidamente, ‘temos um longo caminho antes disso.’ Segundo elas: ‘Somente Deus colhe as sementes de conversão da alma. Somente Deus faz as sementes da fé crescerem. Nosso chamado [é simplesmente] remover as pedras dos seus jardins.’ As pedras de desentendimento, desconfiança e inimizade precisam ser levantadas pelo do cuidado e conversas. Enquanto costuram, elas oram para que Deus plante as sementes.

Um professor

Martien Brinkman conta:

Eu falo para todos os alunos que vêm estudar teologia na Free University: você é bem-vindo aqui quer seja cristão, judeu, muçulmano, liberal, ateu ou outra coisa. Não iremos pedir que você se esconda, mude ou se desculpe pela sua fé. No entanto, durante o programa, você terá que estudar e a ouvir sobre as crenças dos que estão ao seu redor.

Martien Brinkman é um cristão e professor de teologia na Free University em Amsterdã. Ele está cultivando uma cultura única de hospitalidade acadêmica entre fés diferentes. Em tempos de tensões e animosidade entre fés, esta tarefa não é fácil. Brinkman argumenta que a educação nunca poderá ser uma atividade que excluí a religiosidade. Todos os professores e alunos inevitavelmente trarão suas religiões e ideologias influenciando o ensino e pesquisas.

Honestidade entre as fés e hospitalidade acadêmicas não são opcionais, são absolutamente necessárias.

Brinkman argumenta que se isso for verdade, então os corpos docente e discente devem ser encorajados a serem abertos e honestos sobre suas crenças religiosas. Honestidade entre as fés e hospitalidade acadêmicas não são opcionais, são absolutamente necessárias.

Brinkman argumenta que fingir assimilar ou recusar a reconhecer ou lutar com nossas diferenças religiosas não ajuda no desenvolvimento de alunos, pesquisas acadêmicas ou a sociedade como um todo. Com estas afirmações, Brinkman está resistindo a cultura acadêmica ocidental dominante, que frequentemente vê a fé como um impedimento ao pensamento crítico e reflexão acadêmica. Em contrapartida, Brinkman modela a hospitalidade acadêmica radical e testemunha de acordo com seu Deus de hospitalidade.

Uma família

Para Gert e Rita Hunink: ‘Os muçulmanos que chegam à Holanda nunca deveriam ter que temer opressão cristã. Se forem ter medo de algo, eles deveriam temer que os cristãos demonstrarão tanto amor que eles se sentirão muito tentados a se converterem!’

A imigração muçulmana não era uma questão que a igreja de Sint-Joriskerk em Amersfoort pensava em confrontar, até que ela bateu às suas portas. Eles não sabiam ao certo o que fazer quando Shawky Hafez, um muçulmano egípcio viciado em drogas, bateu às suas portas e anunciou: ‘Quero saber sobre Jesus. Vocês podem me ajudar?’.

Rita e Gert Hunink, membros da igreja, começaram convidando Shawky para entrar em sua casa para um café. Eles acompanharam Shawky em sua jornada, enquanto ele enfrentava os diversos desafios do vício, desemprego, moradia e fé.

Amersfoort tem um centro que abriga refugiados da África, Oriente Médio e Ásia. Após a chegada de Shawky, mais refugiados começaram a se encontrar na casa da família Hunink. Todas as semanas eles se encontravam para partidas de jogos e aproveitarem um café com bolo e conversa. Eles discutiam o tempo, as excentricidades da cultura holandesa, os desafios da imigração e as histórias de Jesus. O número de participantes continuou a crescer.

Christian Hospitality and Muslim Immigration in an Age of Fear
Christian Hospitality and Muslim Immigration in an Age of Fear por Rev Dr Matthew Kaemingk

Abrir o seu lar pode ser uma prática comum em diversas culturas, mas com certeza não é comum na Holanda. Shawky se lembra que ele viveu na Holanda por 18 anos antes de ser convidado em um lar de pessoas holandesas: os Hunink foram os primeiros a abrirem sua porta.

Rita comenta que os refugiados que frequentam seu lar e igreja não estavam em busca de um bom sermão, música empolgante ou mesmo ajuda financeira – eles buscavam um lar, uma família. Eles não queriam receber uma visita de mais um assistente social do governo, mas sim estabelecer um relacionamento com um irmão ou irmã.

A experiência teve um impacto profundo além da igreja e do lar da família Hunink. Ela está causando um impacto político também. Gert é um líder local no partido político Christian Union. O partido é um movimento político nacional tendendo à direita com respeito a questão da imigração muçulmana é particularmente forte e tentadora.

Gert argumenta no partido que a retórica de direita que enfatiza o medo não é um guia aceitável para ação política cristã. Ele argumenta que os discípulos, estando em Cristo, não tem o direito de temer o islamismo. Ele diz que: ‘A única coisa que podemos temer é uma igreja fraca que não reflete fielmente o amor e hospitalidade do nosso salvador.’

em cidades tão carentes de confiança e amizade, não existem muitas atitudes mais corajosas e mais necessárias do que uma porta aberta e uma xícara de café.

Para Gert a advocacia do Christian Union pela segurança nacional e paz deve começar com pequenos atos locais de hospitalidade cristã. As famílias, escolas, igrejas e instituições dentro da comunidade cristã holandesa devem incorporar a paz que desejam.

Gert entende que uma plataforma política baseada na hospitalidade arrisca ser dispensada como inocente, covarde ou fraca. Sua resposta às acusações é simples: em cidades tão carentes de confiança e amizade, não existem muitas atitudes mais corajosas e mais necessárias do que uma porta aberta e uma xícara de café.

Conclusão

Estes discípulos estão vivendo a teologia da hospitalidade cristã no conflito entre o islamismo e ocidente. A igreja ocidental precisa desesperadamente de mais modelos de vulnerabilidade e testemunho do evangelho em meio a este conflito global. As ruas sem saída de direita e esquerda política demandam uma imaginação renovada pelo evangelho neste espaço missiológico crítico.

Endnotes

  1. As seguintes histórias podem ser encontrados de forma mais extensa no livro do autor: Christian Hospitality and Muslim Immigration in An Age of Fear (Hospitalidade cristã e imigração muçulmana em tempos de medo, em tradução livre), Eerdmans: Grand Rapids, 2018. Os trechos foram usados com permissão da Eerdmans Publishing.
  2. Nota do Editor: Leia o artigo de Sam George: Será que Deus está renovando a Europa através dos refugiados? Transformando a maior crise humanitária da atualidade na maior oportunidade missionária, na edição de maio de 2017 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2017-05-pt-br/sera-que-deus-esta-renovando-a-europa-atraves-dos-refugiados