Global Analysis

A relação entre igrejas maioritárias e igrejas de imigrantes no Ocidente

mundos separados ou pontes sobre águas turbulentas?

Stian Sørlie Eriksen jun 2019

Há algum tempo, fui convidado a participar num serão que reunia uma igreja de imigrantes e uma igreja norueguesa numa cidade na Noruega. Embora ambas as igrejas se localizassem no mesmo bairro, tinham só recentemente sabido da existência uma da outra:

  • Isso tinha gerado curiosidade e levado a uma iniciativa para se conhecerem melhor e partilharem uma refeição.
  • A igreja de imigrantes viu isto como uma oportunidade de «unir forças» em oração e na evangelização da cidade e do país.

No entanto, as duas igrejas representavam não só «mundos» diferentes, demográfica e culturalmente, como também afiliações denominacionais e ênfases de ministério diferentes.

Como norueguês e alguém investido na tarefa de fazer pontes entre culturas, considero que este cenário ajuda a enquadrar a questão de como as igrejas maioritárias do Ocidente se devem relacionar com igrejas de migrantes não-ocidentais no seu bairro, região e nação.[1]

A diversidade de igrejas de migrantes

O surgimento de igrejas de migrantes em cidades ocidentais não é um fenómeno raro. Hoje, por toda a Europa e América do Norte, uma grande variedade de igrejas africanas, filipinas, vietnamitas, chinesas, de língua espanhola, igrejas tâmil e igrejas romenas, apenas como exemplo, refletem uma grande diversidade denominacional, teológica e étnico-linguística.[2]

Com base em pesquisa extensa nas igrejas africanas da cidade de Nova Iorque, Mark Gornik diz:

Em Nova Iorque, não é preciso viajar a outro país para conhecer o Cristianismo africano; basta entrar no metro. Aos domingos, em todo o lado, desde caves aproveitadas a santuários emprestados, a cidade de Nova Iorque alberga cerca de 150 igrejas africanas de diversos tamanhos, estilos, tipos, redes e línguas. Não é apenas em Nova Iorque; cidades como Atlanta, Washington, D.C., Houston, Dallas, Detroit, Los Angeles e muitas outras têm agora um número significativo de igrejas africanas.[3]

Em Hamburgo

100

Igrejas africanas


Na Alemanha

1K

igrejas de imigrantes


Em Oslo

100

igrejas de migrantes

300

igrejas em todo o país

É provável que os números sejam bem mais altos hoje em dia:

  • Só em Hamburgo, existem mais de 100 igrejas africanas, e mais de 1000 igrejas de imigrantes na Alemanha como um todo.
  • A Igreja Cristã de Deus Resgatada (Redeemed Christian Church of God — RCCG), uma igreja nigeriana, tem cerca de 800 igrejas no Reino Unido, algumas delas bastante grandes, e reúne cerca de 50 000 participantes nos seus Festivals of Life em Londres, muitas vezes visitados por políticos ou líderes de igrejas proeminentes.
  • Voltando ao contexto norueguês, existem possivelmente mais de 100 igrejas de migrantes em Oslo e cerca de 300 em todo o país.[4]

Embora as igrejas de migrantes raramente sejam incluídas em estatísticas de igrejas e no discurso público, elas representam a maioria das igrejas novas plantadas nas últimas décadas. No entanto, além da diversidade, que desafios trazem as igrejas de migrantes às igrejas ocidentais e à paisagem de igrejas estabelecidas, hoje e a longo prazo?

Migração — o maior desafio (e oportunidade) dos nossos tempos

Nas últimas décadas, a globalização uniu mundos a uma velocidade inimaginável em séculos anteriores.[5] Isto deve-se, em grande parte, a vários fluxos de migração internacional. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), «A migração internacional é um fenómeno complexo que toca numa variedade de aspetos económicos, sociais e de segurança que afetam o nosso dia-a-dia num mundo cada vez mais interligado».[6]

A migração também se tornou uma das questões políticas e sociais mais controversas em muitas sociedades ocidentais, como resultado da chegada de refugiados de regiões tensas no mundo e de vários fluxos de migração do sul global para o norte global.[7] Políticos e a opinião pública perguntam-se acerca do impacto disso agora e no futuro. Isto também é reconhecido pelo Movimento de Lausanne. O Compromisso da Cidade do Cabo diz: «Nunca houve tanta movimentação de povos. A migração é uma das realidades globais mais importantes da nossa era. Estima-se que 200 milhões de pessoas vivam fora de seus países de origem, voluntária ou involuntariamente».[8]

É cada vez mais reconhecido o papel vital da religião nas trajetórias de migração e na vida de muitos migrantes. Segundo Philipp Connor, um investigador no Pew Research Center, «Os migrantes trazem mais do que a sua nacionalidade com eles; trazem também a sua religião».[9] Acredita-se que cerca de metade dos migrantes do mundo venham de um contexto cristão.[10] Isto também reflete o crescimento global do Cristianismo, e significa que as igrejas ocidentais já não representam o epicentro do Cristianismo, nem podem assumir que têm a voz principal.

Assim, falar de igrejas de migrantes é mais do que considerar «outra igreja»: é envolvermo-nos nas complexidades da religião e da migração globais do nosso tempo. Embora a lista de questões prementes seja longa, estas são algumas delas:

  • Como se relacionam as igrejas ocidentais com os migrantes em geral, e com os desafios relacionados com a migração?
  • Quais são as necessidades específicas dos migrantes e como pode a igreja envolver-se?
  • Qual é o papel da religião na vida dos migrantes e comunidades de fé migrantes?
  • Como se relacionam as igrejas ocidentais com o Cristianismo global?
  • Até que ponto é que a fé e as igrejas representam pontes entre os vários «mundos» de migrantes e sociedades de acolhimento?

Obstáculos

As questões acima são demasiado complexas para permitir respostas fáceis. Um relatório de 2008 chamado «Juntos ou separados?», fruto de uma Consulta Nórdica sobre Migração, a Paisagem Eclesiástica em Mudança e o Desafio da Migração, discute questões de integração no contexto da igreja maioritária da Noruega. Nele, a pesquisadora norueguesa Ingrid Vad Nilsen escreveu:

Sabemos que os migrantes tendem a reunir-se em grupos de fé com base na nacionalidade, etnia, língua ou cultura. Escolhem a segregação com base na fé — ou talvez esta não tenha sido a sua primeira opção. Em muitos lugares na Noruega, os migrantes são tão poucos que grupos de fé separados não são uma opção. O que acontece então? São absorvidos pelas congregações da Igreja da Noruega, sem terem qualquer influência? Ou são integrados e recebidos como parceiros na fé — desenvolvendo-se uma nova congregação multicultural? Ou tornam-se marginalizados e passivos por não conseguirem encontrar o estilo de igreja a que estão habituados?[11]

Podemos perguntar-nos porque os nigerianos ou os filipinos escolhem as suas congregações africanas ou filipinas em vez das igrejas norueguesas da sua vizinhança, ou porque as igrejas norueguesas continuam predominantemente norueguesas. Mesmo sem tentar responder a estas perguntas, não é difícil identificar obstáculos concretos:

  • Sensibilização e reconhecimento: Até que ponto «conhecemos» o nosso próximo? Por exemplo, ainda que uma igreja RCCG local tenha apenas alguns participantes, temos noção de que a RCCG é uma das igrejas pentecostais de crescimento mais rápido em África com um impacto global muito para além da Nigéria?
  • Lacunas culturais – dar espaço em casa: Quão dispostos estamos a dar espaço na nossa mesa a pessoas vindas de outras culturas? Quão dispostos estamos a mudar as nossas igrejas, liderança, serviços e programas para que pessoas de outras culturas se sintam mais em casa?
  • Preferências estruturais e organizacionais: As igrejas ocidentais e as migrantes poderão ambas preferir ou estar presas a estruturas organizacionais que tornam a mudança lenta ou difícil. Fora isso, até que ponto estão as igrejas dispostas a rever as suas agendas estabelecidas?
  • Tecnologia e distância: Pode ser mais fácil para as igrejas de imigrantes ligarem-se às suas redes transnacionais por livestream do que atravessar a rua ou lidar com a burocracia necessária para entrar em contacto com as igrejas ocidentais na porta ao lado.
  • Distância teológica: Em ambos os polos, existem diferenças teológicas que podem parecer obstáculos intransponíveis. Para muitas igrejas de migrantes, o discurso teológico ocidental sobre questões morais não é ortodoxo, enquanto que, para igrejas ocidentais, as teologias globais parecem sobre-espiritualizadas ou desatualizadas. Até que ponto é possível ou mesmo desejável ultrapassar estes obstáculos teológicos?[12]

O que está em jogo?

Então, será que a igreja maioritária e as comunidades migrantes não podem continuar cada uma feliz no seu canto? Eu acredito que esta questão representa um desafio tanto intercultural como teológico, ambos relacionados e com implicações práticas:

  • O desafio intercultural é conhecermo-nos e ultrapassarmos diferenças culturais para viver vidas enriquecidas uns pelos outros.
  • O desafio teológico é perceber como a fé pode ser um recurso para atravessar essas fronteiras

Além de serem questões práticas, acredito que há determinados aspetos em jogo:

  1. A identidade e natureza da igreja: Se a igreja é a igreja universal, ela inclui as igrejas de migrantes. Além da identidade, também se relaciona com estruturas de poder, recursos e estruturas organizacionais.[13]
  2. O papel e o impacto da igreja na sociedade: As igrejas de migrantes poderão desafiar as igrejas ocidentais no que toca à sua resposta à secularização. Enquanto muitas igrejas ocidentais recusam ou põem de lado esforços tradicionais de evangelização, muitas igrejas de migrantes parecem ter assumido essa responsabilidade. O que podemos aprender aqui com as igrejas de migrantes e as suas igrejas natais?
  3. Missão e evangelização das cidades, nações e mundo ocidental: No espírito de Lausanne, a missão e evangelização globais são o principal desafio da igreja hoje. Como devem as igrejas de migrantes e as ocidentais trabalhar em parceria para ter sucesso nesta missão?

Estamos à altura do desafio?

O que pode então ser feito para evitar que as igrejas de imigrantes e ocidentais permaneçam nos seus enclaves étnicos e culturais? A seguir, sugiro alguns breves pontos que poderão criar oportunidades para inovação social e discipulado:

  1. Discernir os tempos: como expresso pelo Movimento de Lausanne no Compromisso da Cidade do Cabo, «Estamos convencidos de que as migrações contemporâneas estão sujeitas ao propósito missional de Deus, sem ignorar o mal e o sofrimento que pode estar envolvido».[14]
  2. Descobrir capital social, cultural e espiritual: as comunidades de igrejas de imigrantes representam vastos recursos de capital social e cultural, sobretudo em relação com os seus «mundos» e como estes podem ser servidos e alcançados para Cristo. Isto representa conhecimento que a maioria das igrejas ocidentais não possui. Muitas igrejas de imigrantes também possuem um fervor espiritual que muitos líderes de igrejas ocidentais invejam.
  3. Discutir visões e projectos comuns: tanto as igrejas de imigrantes como as ocidentais lidam com os desafios de ensinar a próxima geração e fazer missão e evangelismo. Como podem unir forças e estar em pé de igualdade para atingir esses objetivos?
  4. Desenvolver arenas comuns e comunidades de aprendizagem: o Compromisso da Cidade do Cabo incentiva as igrejas e líderes cristãos a responder «às oportunidades missionárias apresentadas pela migração global e pelas comunidades em diáspora», com testemunho e ação cristãos, e urge que as «igrejas de imigrantes e nativas … ouçam e aprendam umas com as outras, e iniciem esforços cooperativos para alcançar com o evangelho todos os setores da nação.».[15]

Talvez o movimento de oração Thy Kingdom Come (Venha a nós o teu reino) no Reino Unido seja um exemplo vivo dos esforços para criar alianças que atravessem diferenças culturais e teológicas[16]. Tendo começado como uma pequena iniciativa em 2016 pela Igreja Anglicana, o movimento cresceu para envolver igrejas de muitas denominações e em vários países.[17] Além disso, através da oração em conjunto, igrejas maioritárias e igrejas de imigrantes encontraram uma visão comum sobre a qual unir forças para «a renovação das nações e a transformação de comunidades».[18] Queremos aceitar o desafio?

Notas de fim

  1. Nota do editor: Ver artigo de Sam George intitulado ‘Is God Reviving Europe through Refugees?: Turning the greatest humanitarian crisis of our times into one of the greatest mission opportunities’, na edição de maio de 2017 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2017-05-pt-br/sera-que-deus-esta-renovando-a-europa-atraves-dos-refugiados.
  2. Ver Frieder Ludwig and J. Kwabena Asamoah-Gyadu (eds.), African Christian Presence in the West: New Immigrant Congregations and Transnational Networds in North America and Europe (Trenton, NJ: Africa World Press, 2011).
  3. Mark Gornik, The Word Made Global: Stories of African Christianity in New York City (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 2011), 3-4.
  4. 2010 and 2012/2013 DAWN Norway reports. . Os números variam conforme o tipo de igreja contado e como são contadas.
  5. Nota do editor: Ver artigo de Sadiri Joy Tira intitulado ‘Diasporas from Cape Town 2010 to Manila 2015 and Beyond: The Lausanne Movement and scattered peoples’, na edição de março de 2015 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/content/lga/2015-03/diasporas-from-cape-town-2010-to-manila-2015-and-beyond.
  6. International Organization for Migration (IOM), World Migration Report 2018, 1.
  7. Nota do editor: Ver artigo de Cindy M. Wu intitulado ‘We Too Were Once Strangers: Living out our faith during the worst refugee crisis of our time’, na edição de maio de 2018 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2018-05-pt-br/nos-tambem-fomos-estrangeiros.
  8. https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/compromisso-da-cidade-do-cabo-pt-br/compromisso.
  9. Philipp Connor, Immigrant Faith: Patterns of Immigrant religion in the United States, Canada and Western Europe (New York: New York University Press), 19.
  10. http://www.pewforum.org/2012/03/08/religious-migration-exec/.
  11. https://www.regjeringen.no/globalassets/upload/kkd/together-or-apart—ny-versjon.pdf.
  12. A educação teológica também mostrou ser uma arena comum para interação intercultural e reflexão teológica. A iniciativa ÖkuFiT em Hamburgo, por exemplo, é um exemplo de sucesso; http://www.missionsakademie.de/de/veroeffentlichungen-programme/oekufit.php.
  13. Por exemplo, a União Batista da Noruega procurou intencionalmente tornar-se uma «denominação multicultural», o que, nos últimos anos, atraiu um número crescente de igrejas de migrantes, até igrejas que não se consideravam necessariamente «batistas». Acredita-se que isto terá contribuído para o crescimento e vitalidade da denominação; https://baptist.no/om-oss/strategi/flerkulturelt [em norueguês]. Além disso, o festival Pentecostal anual (Pinsefest) em Oslo, começado pela Rede de Igrejas Multiculturais do Conselho Cristão da Noruega por exemplo, tornou-se um evento anual que reúne igrejas católicas, ortodoxas, pentecostais e outras igrejas em adoração e comunhão além-culturas, línguas e denominações: https://norgeskristnerad.no/english/
  14. https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/compromisso-da-cidade-do-cabo-pt-br/compromisso
  15. https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/compromisso-da-cidade-do-cabo-pt-br/compromisso
  16. https://www.thykingdomcome.global/ 
  17. https://www.christiantoday.com/article/archbishop-welby-it-is-our-duty-to-rebuild-the-walls-of-jerusalem-just-as-they-did-in-nehemiah/109734.htm. A Oração por Oslo, uma semana de oração anual, também se tornou um esforço ecuménico conjunto de oração pela cidade e pela nação, envolvendo tanto igrejas norueguesas como imigrantes; https://bonnforoslo.no/.
  18. Archbishop of Canterbury, Justin Welby, https://www.thykingdomcome.global/about.

Author's Bio

Stian Sørlie Eriksen

Stian Sørlie Eriksen é professor associado e diretor do programa de estudos religiosos e interculturais na Faculdade de estudos teológicos, diaconais e de liderança na Universidade Especializada VID em Stavanger, na Noruega, e professor associado na Escola Norueguesa de Liderança e Teologia em Oslo. Ele tem um Master of Arts, um Master of Divinity e um Doctor of Ministry da Oral Roberts University, e um doutoramento em teologia e religião da Universidade Especializada VID

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