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Injustiça Sistémica e o Evangelho da Esperança

Uma Resposta do Grupo de Trabalho de Teologia de Lausanne

Grupo de Trabalho de Teologia de Lausanne 10 jun 2020

É com enorme preocupação que os cristãos em todo o mundo testemunham os eventos que levaram, e se seguiram, à morte trágica de George Floyd em maio de 2020, debaixo de custódia policial. Os protestos espontâneos que irromperam um pouco por todos os Estados Unidos, em conjunto com as manifestações em larga escala em inúmeras cidades do globo, são testemunho do anseio profundo da humanidade por amor, justiça, reconciliação e paz. Esta série de acontecimentos também expõe a imperfeição da nossa humanidade, que abusa do poder, explora os vulneráveis, desconsidera as vítimas, produz violência e executa vingança. O desequilíbrio de poder que continua a dividir a igreja e o mundo chama-nos continuamente ao arrependimento e à utilização responsável do poder. Somos chamados a viver como membros de um só corpo, plenamente conscientes de que Deus resiste aos orgulhosos, Cristo acolhe os pobres e os afligidos, e o poder do Espírito é manifestado na nossa humildade e vulnerabilidade.

No centro do evangelho que une cristãos de todas as nações, raças e línguas está a afirmação de justiça e reconciliação demonstrada por Deus. Por um lado, tendo em conta que a sua morte teve lugar às mãos de autoridades cruéis e injustas, Jesus Cristo pode identificar-se hoje com todas as vítimas de injustiça sistémica no nosso mundo. Por outro, devido ao facto de o seu sofrimento e morte terem sido sacrificiais, em obediência à vontade do Pai, para que fosse removida a ofensa do pecado humano que servia de obstáculo ao nosso relacionamento com Deus e uns com os outros, Jesus Cristo pode, como mais ninguém, abrir a porta ao perdão, à reconciliação e à paz, tendo sido ele a confiar-nos a mensagem da reconciliação em e por meio de Jesus Cristo. Somos chamados a ser o sal da terra e a luz do mundo, combatendo a decadência dos nossos tempos e derrotando a escuridão que ameaça engolir-nos.

Este evangelho de esperança e paz foi confiado à igreja, ao povo de Deus. Ele deve ser inerente ao nosso modo de viver, demonstrado pelos nossos atos e explicado pelas nossas palavras. O Senhor Jesus Cristo chama a sua igreja, hoje mesmo, a promover estes valores com fidelidade através de uma presença plena de empatia, atos de coragem e compaixão e palavras proféticas e pastorais. É necessário que sejamos solidários com todos os que sofrem discriminação e violência, bem como cooperar prontamente com quem procura cumprir o seu mandato de zelar pelo bem da sociedade.

Estamos no mundo, mas não somos do mundo. No entanto, reconhecemos as nossas fraquezas e preconceitos intrínsecos, que ameaçam descredibilizar o nosso testemunho do evangelho do reino. Por meio das nossas sinceras orações e na dependência do Espírito Santo, a comunidade cristã global está ao lado dos irmãos e irmãs dos EUA para serem um farol de verdade, esperança e paz, num mundo ameaçado pela renovação de ondas sinistras de trevas. «Pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais» (Efésios 6:12).


A diversidade étnica é dádiva e plano de Deus na criação. Ela foi corrompida pelo pecado e pelo orgulho humano, resultando em confusão, conflito, violência e guerra entre as nações. No entanto, a diversidade étnica será preservada na nova criação, quando pessoas de toda a nação, tribo, povo e língua se reunirão como povo redimido de Deus. Nós confessamos que muitas vezes não levamos a sério a identidade étnica e não a valorizamos, assim como a Bíblia faz, na criação e na redenção. Deixamos de respeitar a identidade étnica dos outros e ignoramos as feridas profundas que causadas por desrespeito tão duradouro.

Por causa do evangelho, lamentamos, e chamamos ao arrependimento os cristãos que têm participado da violência étnica, da injustiça e da opressão. Também chamamos ao arrependimento os cristãos que muitas vezes foram cúmplices de tais males, através do silêncio, da apatia ou de presumida neutralidade ou ainda oferecendo falsa justificativa teológica para tais atos.

Nós ansiamos pelo dia em que a Igreja será para o mundo o mais brilhante e visível modelo de reconciliação étnica e sua defensora mais presente na resolução de conflitos.

— Excertos do Compromisso da Cidade do Cabo, II-B-2


Ivor Poobalan, Vice-presidente do Grupo de Teologia de Lausanne
Victor Nakah, Vice-presidente do Grupo de Teologia de Lausanne

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